"Não
existe uma definição única e universalmente aceita para a globalização. Como
acontece com todos os conceitos nucleares das ciências sociais, seu sentido
exato é contestável. A globalização tem sido diversamente concebida com ação à
distância (quando os atos dos agentes sociais de um lugar podem ter a
consequências significativas para “terceiros distantes); como compressão
espaço-temporal (numa referência ao modo de comunicação eletrônica instantânea
vem desgastando as limitações da distância e do tempo na organização e na
interação sociais); como interdependência acelerada (entendida como a
intensificação do entrelaçamento entre economias e sociedade nacionais, de tal
modo que os acontecimentos de um país têm um impacto direto em outros); como um
mundo em processo de encolhimento (erosão das fronteiras e das barreiras
geográficas à atividade socioeconômica); e, entre outros conceitos, como
integração global, reordenação das relações de poder inter-regionais,
consciência da situação global e intensificação da interligação inter-regional)
[...] O que distingue essas definições é a ênfase diferenciada que se dá aos aspectos
materiais, espaço-temporais e cognitivos da globalização. Vale a pena nos
determos por um momento nesse conjunto tripartie de características, para
estabelecer uma concepção geral da globalização antes de nos voltarmos para o
debate sobre seu valor analítico e explicativo potencial.
Um
conceito básico de globalização
A
globalização tem um aspecto inegavelmente material, na medida em que é possível
identificar, por exemplo, fluxos de comércio, capital e pessoas em todo o globo.
Eles são facilitados por tipos diferentes de infraestrutura ▬ física (como os
transportes ou sistemas bancários), normativos (como as regras do comércio) e
simbólica (a exemplo do inglês usado como língua franca) ▬ que criam as
precondições para formas regularizadas e relativamente duradouras de
interligação global. Em vez de falar de contatos ao caso, a globalização se
refere a esses padrões arraigados e duradouros de interligação mundial. Mas o
conceito de globalização denota muito mais do que a ampliação de relações e
atividades sociais atravessando regiões e fronteiras. É que ele sugere uma
magnitude ou intensidade crescente de fluxos globais, de tal monta que Estados
e sociedades ficam cada vez mais enredados em sistemas mundiais e redes de
interação. Em consequência disso, ocorrência e fenômenos distantes podem passar
a ter sérios impactos internos, enquanto os acontecimentos locais podem gerar
repercussões globais de peso. Em outras palavras, a globalização representa uma
mudança significativa no alcance espacial da ação e da organização sociais, que
passa para uma escala inter-regional ou intercontinental. [...] Assim, as
limitações do tempo social e do espaço geográfico, que são coordenadas vitais
da vida social moderna, já não parecem impor barreiras ficas a muitas formas de
interação ou organização social, como atestam a existência da Internet e a
negociação em mercados financeiros globais durante as 24 horas do dia. À medida
que as distâncias “encolhem”, aumenta também
a velocidade relativa da interação social, de tal modo que crises e
acontecimentos em partes distantes do mundo, a exemplo da crise econômica do
leste asiático em 1997, passam a ter um impacto mundial imediato que implica um
tempo menor de reação para os responsáveis pela tomada de decisões. A
globalização gera uma certa mudança cognitiva, que se expressa numa
conscientização popular crescente do modo como os acontecimentos distantes
podem afetar locais (e vice-versa), bem como a percepções públicas da redução
do tempo e do espaço geográfico.
Dito em termos simples, a globalização denota a escala
crescente, a magnitude progressiva, a aceleração e o aprofundamento de impactos
dos fluxos e padrões inter-regionais de interação social. Refere-se a uma
mudança ou transformação na escala da organização social que liga comunidades
distantes e amplia o alcance das relações de poder nas grandes regiões e
continentes do mundo. Mas não deve ser entendida como algo que prenuncia o
surgimento de uma sociedade mundial harmoniosa, ou de um processo universal
crescente de interação global em que haja uma convergência crescente de
culturas e civilizações. É que a consciência da interligação crescente não
apenas gera novas animosidades e conflitos, como pode também alimentar
políticas reacionárias e uma xenofobia arraigada. Uma vez que um segmento
significativo da população mundial não é diretamente afetado pela globalização,
ou fica basicamente excluído de seus benefícios, ela é um processo
profundamente desagregador da globalização garante que ela fique longe de ser
um processo universal, uniformemente experimentado em todo o planeta."
Bibliografia: Prós e
contras da globalização / David Held,
Anthony McGrew; tradução, Vera Ribeiro. ▬
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. Pág. 11 – 14.
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