Não sei quem foi que depreciou a nossa tradicional farofa, isso tem jeito de intelectual metido à besta, ao qualificar de farofeiro a turma que costumava frequentar as praias de Ipanema, no Rio de Janeiro, ou do Porto da Barra, na Bahia, suponho que década de 70, com uma providencial marmita contendo umas suculentas pressas de galinha e uma também suculenta farofa.
Penso que a ideia era estabelecer territórios: nós os porretas frequentamos este espaço e nos damos ao luxo de sentar na barraca, beber umas, ou beber todas, e consumir os tira-gostos disponíveis, enquanto eles “farofeiros” se amontoam na sombra do coqueiral para dividir o frango cheiroso, ou com fedor de gordura, dependendo do ponto de vista, e após exibir a boca pintada de farofa.
Pena que a turma da galinha assada não escrevia para os jornais, nem tinha acesso aos formadores de opinião, poderiam ter criado a expressão “filezinhos de papai” para qualificar a galera que pedia uma cerveja e iscas de filé na barraca. No final das contas, prevaleceu a maledicência e levar farofa para a praia passou a ser um hábito vulgar, de gente pobre, brega, sem educação, careta. Que pena!
Condenaram um de nossos mais deliciosos complementos de refeição, não digo ao ostracismo, mas ao degredo. Farofa em casa tudo bem, na praia nunca. E por essas e outras, a nossa tradicional farofinha ficou longe, muito longe de ser pelo menos oferecida num restaurante, o mais simples que fosse.
Mas, as voltas que o mundo dá. A farofa está em evidência, pelo menos em todas as praias de Salvador, já faz um tempo. Não mais na vasilha de plástico, mas em recipientes de vidro, hermeticamente fechados, e não é mais a farofa tradicional feita de farinha de mandioca e manteiga, mas com variações saborosíssimas: de frutas secas, banana, bacon, couve, castanha, ervas, ovos e até de beterraba. A farofa tornou-se um produto apreciado pelos mais renomados gourmets do país. Servido em restaurantes finos e outros nem tanto. Por que não na praia?
E a turma que antes via na farofa um símbolo de breguice, não tem o menor constrangimento em admitir que leva o produto à praia e apenas por que porta um coller para a cerveja se acha menos farofeiro do que os outros. E se acha esperto porque economiza uns trocados na barraca com os preços pela hora da morte. Mas se a farofa ganhou status de produto da mais refinada gastronomia, o frango, coitado, esse não conseguiu recuperar a sua imagem. A moda é farofa para passar no espetinho recém-assado na churrasqueira portátil, ou para acompanhar a carne de sol e outras iguarias, a coxa de frango entra apenas como uma opção, dentre outras.
Mania de farofeiro é mais antiga do que se imagina. No século XIX, farofeiro é que não faltava.
Mania de farofeiro é mais antiga do que se imagina. No século XIX, farofeiro é que não faltava.
Não se frequentava a praia naquele tempo, pois não se exibia o corpo e não se conheciam ainda as propriedades medicinais do mar, mas a turma se reunia para os chamados “passeio de recreio” que nada mais era do que uma farofada chique e sem farofa que farinha de mandioca era coisa de gente pobre.
Consistia num piquenique a bordo de um navio da Companhia de Navegação, mediante frete de locação, que se deslocava de uma a outra cidade do Recôncavo, com o pretexto de uma festa religiosa. As famílias levavam manjares e doces e no navio vinhos finos e outras bebidas eram servidos para os cavaleiros. E esses farofeiros não se importavam muito em compartilhar a breguice, tudo em nome de sair de casa e ver outras pessoas. Uma oportunidade imperdível das moças paquerarem os “estranhos”, retribuindo os olhares de soslaio e sempre assim até a próxima farofada.
Por: NELSON CADENA27/11/2015
Fonte: Correio/ Nelson Cadena
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